A cura gay, afinal, está liberada ou não?

Marco Feliciano: o advogado maior da cura gay.  Hum ...


No meu entender, acho que o episódio da cura gay está mal explicado, na maior parte das reportagens.
     

A resolução do CFP (Conselho Federal de Psicologia) 001/99 diz o seguinte:
      
Art.1° - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade. 
Minha posição: irretocável.
                     
Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas. 
Minha posição: Correto, não se pode aceitar que ninguém, quanto mais um psicólogo, apoie discriminação e preconceito.
       
Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. 
Minha posição: Repare que o texto teve o cuidado de usar as palavras "coercitiva” e "não solicitados", o que difere de "voluntário", ou seja, em caso de solicitação do próprio paciente.
              
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. 
Minha posição: Propalar o tratamento e cura da homossexualidade é uma bizarrice. Em primeiro lugar, homossexualismo não é uma doença a ser tratada. Segundo, isso seria uma falsa propaganda, uma vez que é quase certo que a plasticidade sexual induzida pela atuação de um terapeuta deve ser bem baixa. Isso equivaleria a fazer propaganda das garrafadas de virilidade, vendidas na Feira de São Cristóvão.
               
Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
Minha posição: Os psicólogos, como médicos da alma, tem sua parcela de responsabilidade. Seria incrível que eles patrocinassem preconceitos ou ajudassem a alguém rotular o homossexualismo como uma doença.
                 
Em suma, nenhum item acima impediria um psicólogo de dar consultas para um paciente gay que, por algum estranho desígnio, queira mudar sua preferência sexual.  Nesse caso, o psicólogo poderia até tentar "ajudá-lo", ainda que o advertisse que isso seria quase impossível. 
         
Eu como psicólogo jamais faria isso, não faz sentido. No então, não é algo intrinsecamente  errado, uma vez que representa o desejo voluntário de um paciente, que não foi induzido ou coagido. 
             
Isso claramente não viola a resolução do artigo 3° da resolução do CFP. Lembrando, que tentativas toscas de reorientação sexual pode ter um efeito psicológico prejudicial aos pacientes, ainda mais se não solicitadas. 

                   
Em alguns outros casos, por vários motivos, alguns homossexuais enfrentam problemas em vivenciar sua opção sexual em sua plenitude.
                    
Isso pode envolver a aceitação da Sociedade, um emprego, e até foro íntimo. Ele pode, por exemplo, ter uma fé evangélica que ele considera incompatível com sua homossexualidade.
             
O que fazer o terapeuta? Ele pode até tentar fazê-lo mudar de ideia, mas, se isso não funciona, há 2 opções dolorosas, mas possíveis.
             
a) O homossexual pode optar por não ter mais parceiros(as), ou seja, tornar-se um celibatário(a), como um padre ou freira. Ele(a) poderá até se masturbar, mas evitaria ter que enfrentar seus fantasmas no mundo real.

     
b) O homossexual pode fingir ser heterossexual perante a sociedade, e até chegar a constituir família tradicional, etc. Sua homossexualidade fica restrita, se for o caso, a alguma atividade solitária ou secreta.
           
Não vejo as duas opções acima como impossíveis, porque a variedade de condições psicológicas no ser humano é praticamente infinita.
                              
Certamente existirão os homossexuais profundamente  infelizes, onde nada dê jeito. Nesse caso, esgotando-se as alternativas possíveis, uma das duas alternativas acima poderá representar um mal menor.
             
No entanto, concordo que o termo reorientação sexual é uma praticamente sempre uma arrematada bobagem.
               
Os dois casos (raros) que eu me referi, não se referem a uma reorientação, mas algum tipo de encenação permanente (que na maioria dos casos não irá funcionar), mas que em nada muda a orientação sexual primária da pessoa.
            
Sendo assim, A liminar do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, no meu entender, é completamente inútil, já que os termos da CFP 001/1999, no seu artigo 3º.,  não “impede os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual”, como a liminar insinua.
           
Exceto se for de forma coercitiva e/ou não solicitada.  Assim, vejo a liminar como nociva, no sentido de criar ambiguidade justamente no uso da palavra “coercitiva” e “não solicitada”.
        
Ou seja, dá brecha, para o cara chegar no consultório reclamando de problemas devido à sua orientação sexual, e o terapeuta chegar para ele. “Cara, deixa eu te ensinar a gostar de mulher e seus problemas estarão resolvidos”. Isso é inaceitável, a meu ver.
            
Em relação à propaganda da cura gay, a liminar não se refere. Ou sela, ela continua proibida.
           



Ou seja, nem a cura gay foi liberada, nem a liminar é inócua. Ela apenas cria uma fronteira tênue entre uma tentativa de reorientação sexual não solicitada (inaceitável) ou solicitada (bizarro, mas aceitável), pela omissão da frase que consta da liminar.
              
No entanto, como a liminar apenas complementa a resolução, para dirimir qualquer dúvida, sem alterá-la, não acho que seja permissível uma ação coercitiva sobre o paciente, induzindo-o a se sentir atraído pelo sexo oposto. 
        

                  
A psicóloga que pediu essa liminar é Rozangela Alves Justino. Ela é pastora, palestrante e trabalha no gabinete do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), pastor ligado a Silas Malafaia e atendia pacientes no passado ministrando a tal cura gay.

De modo geral, com raríssimas exceções, a tal cura gay está intimamente ligada a determinadas correntes evangélicas. Não há nenhuma base científica independente disso.

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