Medindo a circunferência da Terra e derrubando a Terra Plana


Em tempos de obscurantismo, cura gay e Sociedade da Terra Plana, aqui vai uma lufada de ar fresco (*1) para aqueles que têm curiosidade científica.
              
A explicação abaixo depende apenas de conhecimentos básicos do ensino médio de Matemática e nada mais. Qualquer pessoa pode se convencer, sem precisar nenhum artefato inacessível. Enfim, não é rocket science.
           
O Matemático grego Eratóstenes (276 – 195 AC), já presumia que a Terra era uma esfera. Ele teve uma ideia genial para estimar o diâmetro da Terra:  Eratóstenes percebeu que na cidade de Siena (também no Egito, atualmente conhecido como Assuão) perto do solstício (dia mais longo do ano) ao meio-dia uma vareta vertical não deixava nenhuma sombra.
             
Para a experiência descrita, ele usou Alexandria, hoje a segunda cidade mais populosa do Egito a cerca de 800 km de distância de Siena. Essa distância corresponde a um arco da circunferência da Terra entre as duas cidades.
         
Como já era sabido que o Sol é muito distante da Terra (hoje se sabe que a distância é cerca de  150 milhões de quilômetros), ele assumiu que os raios de Sol incidissem paralelos em todo o planeta. Precisamos então descobrir  qual o ângulo desse arco, para fazer a proporção para a circunferência inteira.
         
Eratóstenes verificou que em Alexandria, no mesmo horário da Siena, o Sol deixava uma sombra na vareta aproximadamente de 1/8 do comprimento da vareta. 



Repare na figura acima que AC é o cateto oposto e BA o cateto adjacente. Sendo assim, AC/BA é a tangente do ângulo entre a vareta e o raio de Sol, que é 1/8. Assim, precisamos conhecer o ângulo cuja tangente é 1/8. Isso corresponde ao arco tangente de um valor, no caso, 1/8.
         
Em Excel, essa função é o ATan. Sendo assim, ATan(1/8) é o nosso valor, o que dá aproximadamente 0,124355 (~ ). Esse ângulo é dado em radianos, onde 2 pi radianos corresponde a 360o da circunferência toda.
              
Portanto, a circunferência completa em torno da Terra é dada por (2 pi /0,124355)  * 800, ou seja, o número de arcos de 7o. que cabem na circunferência de 360o., multiplicado pelo comprimento do arco de 7o. Isso dá cerca de 40.000 km de diâmetro para o planeta Terra, que se aproxima muito da circunferência real. 
              
Uma incrível aproximação para um pensador que viveu mais de 2000 anos atrás.
            
 
              
Na teoria da Terra plana (*2), essa experiência mostra que o Sol precisa estar muito mais perto da Terra do que na vida real, como veremos abaixo.
              
Os raios do Sol não são mais paralelos em diferentes pontos da Terra. Se fossem, a sombra sempre seria igual!
             
Para ser exato, se a sombra da vareta em Alexandria é aproximadamente 1/8 do tamanho da vareta, podemos assim assumir que a distância entre a Terra e o Sol deveria ser algo em torno de 6.400 km, que é 8 vezes a distância entre Alexandria e Siena, como ilustramos acima. 


Usando-se um penny londrino, uma moeda de diâmetro aproximado de 2 cm,  é preciso afastar o olho, fitando na moeda até que ela recubra totalmente o Sol, como mostra a figura acima. Isso corresponde aproximadamente a uma distância entre o olho e a moeda de 2,20 m.
              
Sendo assim, o diâmetro do Sol deveria ser 110 vezes menor que a distância entre a Terra e o Sol. Portanto, no modelo da Terra Plana, o Sol teria apenas 58,2 km de diâmetro.
               
O tamanho minúsculo do Sol e a sua proximidade são estranhos, mas deixa pra lá.
                
A pá de cal que enterra a teoria da Terra Plana é que se alguém se deslocar 6.400 km de Siena, a teoria de Terra Plana pressupõe que o ângulo de incidência do Sol deveria ser de 45º, porque teríamos um triângulo retângulo isósceles, como pode ser visto acima.
              
Nessa situação, a sombra da vareta teria o mesmo comprimento da vareta.

No modelo padrão da Terra redonda, um lugar que dista 6.400 km de Siena corresponde a um arco de 6400 / 40.000 * 360 ~ 57,6º, o que faria com que a vareta gerasse uma sombra mais que 50% mais comprida do que ela. 

Mesmo que houvesse algum estranho fenômeno de refração da atmosfera que deslocasse a posição aparente do Sol, seria muito estranho que a 6.400 km de Siena o ângulo da sombra da vareta fosse de 57,6o.C ao invés dos esperados 45o., que corresponderia justamente ao que se esperaria se a terra fosse redonda.

Na verdade, o ângulo é 57,6o. justamente porque a Terra é redonda!

           
 
            
Adoraria saber como a Sociedade da Terra Plana conseguiria explicar o que foi descrito acima. Explicar a experiência de Eratóstenes em si, eles até conseguem. Só que explicar dentro do contexto da terra plana o experimento adicional, onde se afasta de Siena exatamente a distância calculada entre a Terra e o Sol, é complicado, porque não há nenhuma passagem de tempo envolvida.
              
Assim, não é preciso fazer nenhuma suposição para a trajetória do passeio diário do Sol. Além disso, o diâmetro do Sol é comparativamente muito pequeno para produzir variações significativas na sombra.
 


(*1) A explicação foi simplificada para ficar mais fácil de acompanhar.
           
(*2) Na teoria da Terra Plana,  a noite é explicada pela distância progressiva que o Sol assume e sua obliquidade em sua  órbita diária. Isso é necessário porque a Terra não tem rotação em torno de si mesma. 
              
Inspiração:  Reduced Planck Constant 

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