O projeto “Escola sem Partido” é ruim


Entendo os perigos da educação ideologizada, mas o projeto Escola sem Partido é um projeto mal redigido, que, no afã de tapar um buraco real, termina fechando-o e produzindo um grande monte de esterco.

Concordo que é muito ruim um professor que fique panfletando em sala de aula, fazendo campanha eleitoral e perseguindo alunos que discordam de suas ideias

Só que isso, no meu entender, entra como um elemento a mais no universo de abusos que muitos professores praticam com alunos em sala de aula: perseguição, assédio, agressão, cobranças descabidas, abuso de autoridade, baixa qualidade, fuga da ementa prevista, falta de mínimo empenho, etc.

A campanha eleitoral em sala de aula é algo asqueroso e além de ser aética, toma o tempo precioso da ementa de uma disciplina, que muitas vezes não é coberta, face ao professor perder uma parte significativa da aula, matando-a, contando piadas e outros desvios.

Vamos analisar abaixo ponto por ponto dessa lei.

Art. 2º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades de cunho religioso ou moral que possam estar em conflito com as convicções dos pais ou responsáveis pelos estudantes.

É impossível que isso se aplique a todos. A pluralidade moral e religiosa dos alunos é infinita. Poderá ter, entre os alunos, até adoradores do Diabo. Mesmo na moral mais prevalecente o ensino da evolução das espécies poderá ser interpretado como algo que entre nesse tipo de conflito. Pelo menos com boa parte da ortodoxia católica e evangélica. Esse artigo foi escrito por alguém totalmente ingênuo que considera os pais como constituindo de uma massa homogênea de zeladores das morais e bons costumes.

Art. 3º. No exercício de suas funções, o professor:
I — não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias;
IV — ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;

Na prática, a neutralidade é impossível e utópica. Há uma diferença entre não neutralidade e doutrinação, há uma contraste entre ter uma opinião e transparece-la por vezes; e a não aceitação do dissenso.

Além disso, há cadeiras, que pela própria natureza, explanam justamente a ideia de algum teórico como Kant ou Nietzsche. Nesse caso, ainda que se possa contestar parte das posições do autor, esse não é objetivo da disciplina. Existirão, por certo, outras disciplinas para contrapor.

É natural que uma cadeira de Marxismo em uma faculdade de Economia seja aplicada por alguém que se simpatize, de algum modo, com as ideias de Marx e o mesmo vale para quem ministra sobre o liberalismo de Adam Smith. Essa isenção absoluta é utópica e infactível.

Art. 6º. As reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei serão dirigidas, sob garantia de anonimato, à Secretaria de Educação, e encaminhadas, sob pena de responsabilidade, ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente.

Isso é uma centralização estatizante inaceitável. São dezenas de milhares de unidades de ensino. Como seria a gestão disso e com que estrutura organizacional? A Secretaria de Educação ficaria atravancada com queixas de toda ordem, muitas completamente injustas e/ou movidas por perseguições.

Qualquer medida nesse sentido precisaria ser descentralizada unidade por unidade, para a direção de cada escola. Caso a direção da unidade se mostre surda, devem haver canais superiores que agirão junto à cada diretoria, por amostragem e representatividade.

Existem abusos reais em sala de aula e não só de natureza doutrinárias. Deve haver canais de reclamação, abaixo-assinados; para que o aluno possa ser mais escutado. Pode ainda haver uma ouvidoria.

Art. 7º. O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber:
III — aos livros didáticos e paradidáticos;

Isso é impossível na prática pelos motivos expostos acima. Um livro didático sobre Keynesianismo não consegue ser 100% imparcial. Quem escreve um livro sobre ele, tende a gostar um pouco, pelo menos, de suas ideias. E, em relação a livros paradidáticos não pode se aceitar nenhuma espécie de censura. O próprio nome entrega: paradidáticos são os livros de não ficção que podem opcionalmente servir de apoio para um curso, não constituindo em material oficial. Qualquer tipo de restrição seria um tipo de censura inaceitável.

◆ ◆ ◆

Não digo que não se deva fazer algo em relação à doutrinação panfletária nas escolas, que atinge, por vezes, níveis intoleráveis. Até minha filha foi vítima disso no terceiro ano do PH, onde um professor de História fazia abertamente campanha pela Dilma. A matéria que caia no ENEM, por vezes, ficava relegada à segundo plano.

No entanto, a Educação no Brasil padece de problema muito mais sérios, visto que o Brasil não só se posiciona muito mal em relação ao mundo, mas mesmo na América Latina, como o estudo da Unesco demonstrou, o Brasil está longe de cantar de galo.

Só para ficar claro para algum eventual leitor que não me conheça. Não sou mortadela, coxinha, marxista, petista ou vermelho.

Estou apenas aqui fazendo um exercício de bom-senso.

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