Gestão do Estado: Reflexões


Para mim o papel do Estado deveria incluir, além de seus deveres convencionais, um suporte à Sociedade, no sentido de promover o bem-estar social, na promoção de políticas de diminuição das desigualdades e na proteção do meio ambiente.

Nesse sentido, não me considero o típico neoliberal, que preconiza que a livre concorrência resolve todos os problemas da Sociedade. Na visão liberal extrema, basta deixar o bolo crescer e todos terão o seu quinhão. O Estado se limita à sua função de guardião das leis.

Penso que quando corporações atuam sem nenhum controle, muitas vezes, irão existir produtos e serviços fora de padrões aceitáveis (tratamentos placebo para Celulite, xarope expectorante e antitussígeno no mesmo vidro, repelente eletrônico que não repele nada, etc.), maltratam consumidores (atendimentos intermináveis e inúteis pelo SAC, filas enormes, etc.), utilizam-se práticas abusivas de concorrência ("dumping" de preços, venda casada, oligopólios para ditar preços, chantagem para espremer fornecedores, etc.) e sonegam impostos.

Sendo assim, penso que, assim como indivíduos têm limites estabelecidos por leis, o mesmo se deveria dar nas corporações, onde é preciso existir normas, leis e condutas, que precisam ser respeitadas.

No entanto, e aí me alinho ao pensamento liberal, considero, em geral, o Estado um péssimo empreendedor. Aqui, na América Latina esse meu pensamento é ainda mais prevalecente.

Além disso, algumas áreas sensíveis demandam a existência de agências reguladoras, quando envolvem serviços básicos para a população, como saúde, educação, transporte, etc.

Veja que a iniciativa privada pode mandar muito bem, quando bem administradas.

Quando vemos universidades como Harvard, Yale, Stanford e MIT nos Estados Unidos, devemos recordar que todas elas são centro de excelência e são privadas!

Há três pontos básicos:

a) Privatizações trazem muito mais agilidade para a gestão, sem a aplicação obrigatória de concursos (que não é a melhor forma de contratação), sem tantas dificuldades para demitir as pessoas fracas, sem cabides de empregos, sem tantos empecilhos burocráticos para gerir a empresa, sem o engessamento provocado pelo processo licitatório convencional.

Empresas privadas em geral trazem mais lucratividade em relação à receita e, como tendem a reaplicarem seus lucros (por maximização do retorno e não por altruísmo), terminam por apresentar um crescimento mais acelerado. Nesse sentido, em pouco tempo a empresa privatizada tende a gerar mais impostos para o estado do que antigamente gerava entre impostos e dividendos.

Além disso, o "olho" do dono ajuda a dirimir bastante o nível médio de fraude interno, em relação a empresas públicas ou administração direta. O lucro, tão execrado pelo pessoal de esquerda, nada mais é do que a cenoura que faz o empresário trabalhar duro, não se deixar roubar e fazer a empresa e, portanto, a Economia crescer, gerando mais empregos e renda.

b) Em áreas sensíveis ou estratégicas, ao invés de necessariamente serem tocadas pela administração direta ou estatais; o Estado pode atuar sob a forma de partilhas e concessões, utilizando-se da iniciativa privada.

Esses processos têm começo, meio e fim, envolvendo um corpo pequeno de pessoas por um tempo limitado, já que o ponto chave é estabelecer um contrato que seja bom para ambos os lados. Depois, por 20 ou 30 anos, basta fiscalizar os termos do contrato, que, afinal, já estará firmado.

Assim a elaboração e fechamento dos contratos deveriam ser feito por uma equipe de elite, com reputação ilibada, com a responsabilização direta dos ministros (ou secretários diretos) nos seus termos, com transparência, auditoria e abertura para a sociedade.

Como essa modalidade se dá em uma área sensível, a qualidade, a equidade, a justiça precisa permear a atuação dessa empresa, através de critérios objetivos detalhados no contrato.

c) Uma modalidade muito interessante de ajuda social, que é muito menos onerada pela corrupção, do que outras práticas, se bem engendradas, são programas de vouchers, porque se trata apenas de fazer o dinheiro chegar até a ponta e não envolve uma gestão complexa.

Um exemplo no Brasil é o Bolsa Família, que, com todos os seus problemas (como falta de porta de saída), é um programa meritório e que realmente faz diferença.

Por exemplo, ao invés de gerir o SUS, que é algo extremamente complexo e muito sujeito a fraudes, seria até mais barato o governo dar vouchers para a população de baixa renda, que poderia então diretamente adquirir planos de saúde. Se a pessoa quer algo um pouco melhor, ela pode pagar o adicional do seu próprio bolso.



No entanto, os dois pontos acima tem um calcanhar de Aquiles, que são as Agências Reguladoras. Por exemplo, no quadro institucional atual, se o Estado distribuísse vouchers para a saúde da parcela mais pobre, a população seria espoliada por planos de saúde ruins, diante de uma Agência Nacional de Saúde, que é conivente com as operadoras de saúde, sabe se lá por quais razões...

Se o Estado tende a ser tão corrupto, como é possível montar agências reguladoras que funcionassem bem?

Não acredito muito na honestidade intrínseca do homem, portanto qualquer modelo que se crie de fiscalização governamental precisaria de um mecanismo bem sofisticado, que é a história do vigia que vigia o vigia que vigia o vigia.

Sendo assim, é preciso vontade política para fazer as coisas darem certo:

1) O contrato, quer seja concessão ou partilha, precisa ser detalhado, limando a subjetividade ao máximo. Quanto mais situações o contrato prevê, mais fácil será gerir e fiscalizar seus termos.

2) O ponto fundamental é que nem todos os fiscais deveriam se conhecer. A melhor forma é implantar sempre dois órgãos independentes em locais físicos distintos que tenham essa incumbência fiscalizatória. Desse modo, um fiscal nunca terá certeza se outro fiscal, que ele não conhece, irá fiscalizar o mesmo ponto, o que pode ser feito por amostragem. Inconsistências entre as duas fiscalizações serão investigadas. Fraudes dos fiscais tem que ser punidas. Mesmo dentro de um órgão, os fiscais não devem sempre estar voltando ao mesmo lugar. Precisa haver rodízio.

3) O presidente dessa agência que possui os dois órgãos deveria ter reputação ilibada, porque ele poderia montar um esquema de corrupção "integrando" os dois órgãos. Assim, deverá haver uma série de requisitos para sua nomeação envolvendo formação e experiência. Não é qualquer político mequetrefe que estará habilitado para o cargo e esse presidente precisa ser bastante bem remunerado. É preciso lembrar que quanto mais incorruptível e competente o gestor for, mais a Sociedade irá se beneficiar. Quanto vale isso?

4) O governo deveria ter uma espécie de agência das agências, mais bem remunerada que a agência, que atuaria na auditoria de vários tipos de fiscalização, com outra presidência, independente dessa agência. Esse papel é tão importante que é praticamente um ministério. Isso funcionaria como uma espécie de corregedoria das agências.

5) Acredito que, em alguns casos, pode-se comissionar os fiscais por autos, sendo que se autos que foram investigados por amostragem que forem fraudados, podem gerar processo e demissão. Assim, isso é uma face de dois gumes. Se há ação, há comissão, mas se isso se revelar por amostragem uma fraude, problemas para quem autuou. Se há omissão, a pessoa sofre uma penalidade e, se for constatado de forma reiterada acobertamento, isso também criará problemas para quem fiscalizou e não autuou.

6) Deveria haver transparência da agências, dos autos, etc., que seriam publicados na Internet, com algum nível de sigilo para evitar criar elos entre fiscais dos 2 órgãos. Deveria haver divulgação periódica dos bens das pessoas envolvidas, declarações de renda. Sinais explícitos de enriquecimento poderiam ser usados como evidências. Lembre-se que o bom funcionamento de uma área essencial está intimamente dependente do trabalho sério da agência. Assim é preciso encetar todos os esforços de pagar bem, mas também responsabilizar as pessoas pelos seus atos, com rigor e celeridade.

7) As concessionárias deveriam ter uma avaliação rigorosa de qualidade por parte da agência, seguindo critérios previamente estabelecidos por contrato, que pode trazer algum tipo de vantagens para essas agraciadas, também detalhadas no contrato.

8) É preciso ter, sempre que possível, algum tipo de concorrência na prestação de serviços, para estimular ainda mais a questão da qualidade.

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